terça-feira, 6 de abril de 2010

Ele merece! Ele merece!

Diariamente eu sou bombardeado pela publicidade através do rádio, TV, revistas, jornais, cartazes, mensagens por celular, folhetos entregues nos semáforos, e outros meios que com muita criatividade são utilizados pelas empresas de propaganda. É preciso divulgar o produto, trazer novos consumidores e fidelizar quem já consome.

Acontece que eu vejo aquele carrão andando por uma cidade vazia nos intervalos do filme, ou aquele televisor enorme com uma definição incrível na publicidade de duas páginas em uma revista semanal qualquer, ou ainda aquele imóvel que mais parece um clube, repleto de área verde preservada, com acesso fácil pelas principais rodovias e bem localizado entre escolas e supermercados.

Passa um dia, e eu nem presto atenção. E outro, e eu nem ligo. E passa um tempão, e tudo normal.

Mas de repente, num dia qualquer, alguém sopra no meu ouvido “olha só que legal esse produto; você merece ter um desses”, e como se estivesse hipnotizado eu repito para mim mesmo “sim, eu mereço”. Pronto, foi dada a largada.

Você já reparou que quando se interessa por alguma coisa, esta coisa fica ainda mais evidente a sua frente? Recentemente eu me cansei do meu computador, que após muitos anos de uso está totalmente ultrapassado e não suporta os aplicativos que eu quero utilizar, inclusive para eu acessar internet. Então uma voz me disse bem baixinho ao ouvido: “você precisa de um notebook” e eu pensei “eu mereço um notebook, afinal, tem um monte de gente andando com um na mochila, porque não eu?”

Incrivelmente minha caixa de e-mails se encheu de promoções de notebook. Na televisão eu vi equipamentos por menos de mil reais parcelados em até doze vezes sem juros. Vi promoções que na compra acima de ‘não sei quantos’ reais eu concorreria a dois notebooks, um pra mim e outro para eu presentear quem eu quisesse.

Após alguns cálculos e sentindo-me frustrado ao constatar que a compra do objeto de desejo não cabia no meu orçamento, cheguei à triste conclusão de que eu não mereço um notebook. Digo triste conclusão porque é isso que é, uma conclusão muito triste mesmo.

Mas como podemos determinar se merecemos ou não algo que desejamos? Eu diria que de duas maneiras:

1) Se não posso comprar a vista, é porque não mereço.
O crédito é algo crescente em nossa economia, nos incentivando a consumir hoje e pagar só amanhã. Atualmente isso acontece até com nossas compras de supermercado. Fazemos a compra do mês e pagamos com um cheque para quarenta e cinco dias. Acontece que o mês tem trinta dias, então o arroz e o feijão acabam e o cheque nem foi compensado ainda!

A verdade é que se você não pode pagar a vista, você simplesmente não merece, mesmo para itens de grande valor. O imóvel dos seus sonhos comprado pelo SFH em vinte ou trinta anos com parcelas que hoje cabem no seu bolso, pode uma hora pesar no seu orçamento. Ao longo da sua vida seus custos pessoais aumentam e a prestação está lá, com o saldo devedor sendo atualizado mensalmente por um índice de inflação.

2) Se você não pode abrir mão do que está comprando, então você ainda não merece.
Mesmo quem compra a vista pode se deparar isso. Uma pessoa com ótimo controle emocional e financeiro poupou, mês a mês, e conseguiu comprar um veículo zero quilômetro com redução de IPI e, por pagar a vista, ainda obteve um desconto, além de sair da concessionária de tanque cheio e primeiro IPVA pago.

Algum tempo depois ela começa a acompanhar a tabela do Jornal do Carro e vê que seu veículo se desvalorizou em 10%. Mais alguns meses se passam e a desvalorização chega aos 15%, além do fato de que as manutenções na rede autorizada ficam cada vez mais caras e não agregam valor ao veículo.
Mas para que serve um carro afinal? Para que possamos nos deslocar de um lugar para o outro mais rápido, mais seguro, com mais conforto. Atendendo essas necessidades, o que mais esperar do veículo? Que ele não se desvalorize?
Se você não pode aceitar que seu conforto tem um custo, então você não merece esse conforto. Não adianta instalar um sistema de ar condicionado no seu apartamento e reclamar toda vez que chega a conta de energia elétrica. Se você faz isso, você não merece.

Embora seja difícil de aceitar, me parece óbvio que se queremos algo, primeiramente temos que fazer por merecer. Pode ser que eu nunca compre meu notebook, e morra usando meu desktop lento, travando e com péssima resolução de vídeo. Por mais que meu banco diga que eu mereço e me ofereça uma ajuda (uma força, ou um help como eles também gostam de dizer), ainda assim eu não sou merecedor. Ainda.

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